Usinas Hidrelétricas Reversíveis e o Setor Elétrico Brasileiro

20/05/2024

As Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) são tipicamente compostas por um reservatório superior, um reservatório inferior e uma casa de força com turbinas-bombas e geradores-motores. Quando viável, são usadas turbinas reversíveis capazes de atuar tanto turbinando como bombeando água. Esse sistema armazena a energia ao bombear a água de um reservatório inferior para um reservatório superior e a libera turbinando a água de volta ao reservatório inferior. Isso permite que ela desloque blocos de energia ao longo do tempo, bombeando água em períodos de baixa demanda energética para usá-la nos momentos com maior demanda.

O método de armazenamento de energia por UHR tem destaque por sua maturidade tecnológica, eficiência e viabilidade econômica, tornando esse sistema o mais empregado em projetos de grande escala. O Brasil tem grande potencial para empregar esse tipo de empreendimento por conta de suas características naturais topográficas.

Apesar de não ser uma tecnologia recém-descoberta, a UHR vem sendo muito citada em discussões relacionadas a transição energética dos últimos anos. Isso porque, a iminente popularidade das fontes de energia renovável encaminha um futuro de predominância dessas fontes nas matrizes elétricas. E algumas dessas fontes de energia renovável não tem previsibilidade de geração, dando origem ao nome: Energias Renováveis Variáveis (ERVs), ou Fontes Não Gerenciáveis. Apesar da inserção das ERVs nas matrizes elétricas ser desejável, elas trazem insegurança energética ao sistema, por não ter geração previsível. O papel das UHRs nessa discussão é justamente trazer maior estabilidade e segurança à operação do sistema através do armazenamento de energia.

UHRs no Brasil

Por conta das mudanças com relação à matriz elétrica brasileira e a diminuição da capacidade de regularização de reservatórios de usinas hidrelétricas convencionais, e do que já foi dito sobre o papel das UHRs em sistemas com grande presença de fontes intermitentes, é que se estuda a possível utilização das UHRs como forma de garantir a estabilidade futura do sistema elétrico brasileiro.

Entretanto, o principal desafio das UHRs no Brasil é a viabilidade comercial, visto que na regulamentação que rege atualmente, os ativos de geração são recompensados pela energia que o empreendimento garante entregar ao sistema. Ainda assim, as UHRs ou qualquer outro recurso disponível para o atendimento da ponta a um custo menor é válido, já que o Operador Nacional do Sistema (ONS) trabalha por ordem de mérito, minimizando o custo da operação.

Atualmente existem três usinas reversíveis no Brasil, porém nenhuma delas é utilizada como um sistema de armazenamento de energia, apenas como um sistema para o controle de nível de reservatórios. Portanto, a inserção de UHRs ao SIN é acompanhada por diversos desafios, entre eles prever como esse empreendimento se comportaria sob a ótica comercial e quais as ferramentas de regulação que se aplicariam aos serviços prestados por eles.

UHRs e o SIN

De acordo com relatório da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a evolução do sistema elétrico aponta para o crescimento das necessidades relacionadas à capacidade e flexibilidade. Nessa ocasião, os atributos da fonte hidrelétrica assumem uma relevância ainda maior para a expansão e operação eficaz do sistema interligado. Aliás, sabe-se que o aumento da flexibilidade é capaz de gerar impacto positivo na eficiência do sistema de modo geral. Em alguns países, seus sistemas já tiram proveito da complementariedade proporcionada pela integração de diferentes fontes, como é o caso do sistema elétrico no Japão.

No caso do gráfico acima, a UHR além de evitar o desligamento total das termelétricas ao absorver o excedente de energia solar, ainda faria o uso desse excedente posteriormente para atender aos picos de demanda. No caso do SIN, esses e demais benefícios poderiam ser alcançados para o sistema como um todo, inclusive postergando novos investimentos em transmissão. Com o aumento iminente da participação de fontes renováveis não-despacháveis e limitações para construção de novos reservatórios com grande capacidade de armazenamento, a UHR se apresentaria como um possível candidato à expansão do SIN.

Aspectos Regulatórios e Comerciais

Historicamente, o surgimento de empreendimentos do tipo UHR ocorreu de forma massiva em ambientes de mercado monopolistas, mais de 95% das UHR existentes no mundo foram comissionadas em estruturas de mercado com essa característica. O modelo empregado pela antiga estrutura de mercado monopolista, remunerava o gerador por custo de serviço e isso garantia que os investimentos feitos para o desenvolvimento do setor seriam recuperados. Mas com o novo modelo desverticalizado, os investimentos passaram a ser feitos por conta em risco da participação privada.

Acontece que investir na construção de uma UHR, mesmo que indiscutivelmente proporcione inúmeros benefícios ao sistema elétrico como um todo, significa assumir um risco alto. As receitas podem ser incompatíveis com o porte e o tempo de retorno do investimento. Isso porque é uma tarefa difícil mensurar o valor dos serviços oferecidos por esse tipo de empreendimento ao sistema e como enquadrá-lo de acordo com a atual estrutura organizacional do setor elétrico.

Do ponto de vista regulatório, a amplitude dos serviços prestados pelas UHR torna difícil a sua categorização estrita como ativos exclusivamente de geração ou transmissão. Isso acarreta uma complexidade adicional ao tentar integrar essas usinas nos quadros regulatórios preexistentes. Estes quadros foram estabelecidos após o processo de desverticalização das empresas de energia, visando a separação clara entre o domínio competitivo (geração e comercialização) e o domínio economicamente regulado (transmissão e distribuição) com o objetivo de evitar possíveis distorções na concorrência. Portanto, mesmo a UHR sendo atrativa do ponto de vista técnico e econômico em certas ocasiões, a sua participação em mercados liberalizados permanece sendo um desafio, como já mencionado.

Avaliação das Oportunidades

Diversas características do sistema podem influenciar na decisão de empregar UHRs. Entre elas:

  • Fontes e tecnologias presentes na matriz;
  • Infraestrutura de linhas de transmissão;
  • Disponibilidade e preços de combustíveis;
  • Acesso a recursos naturais como vento, radiação solar e hidrologia;
  • Demanda, considerando evoluções econômicas, tecnológicas e comportamentais, incluindo iniciativas relacionadas a eficiência energética, carros elétricos e resposta de demanda.

Enquadramento

A forma como os custos de investimento são recuperados passa a depender da classificação regulatória das UHR. Se são vistas como ativos de geração, onde o investimento é recuperado no mercado competitivo, ou se são vistas como ativos de transmissão, onde o investimento é recuperado por meio de modelos de custo por serviço ou receita permitida. Essa distinção apresenta um desafio significativo para os sistemas de armazenamento em geral, uma vez que possuem características que se enquadram em ambos os ambientes.

Essa dualidade na estrutura regulatória limita a exploração plena de todos os benefícios oferecidos pelas UHR ao sistema, e acaba distorcendo a atratividade da tecnologia. É importante salientar que, em muitos mercados competitivos, o sinal de preço frequentemente não abrange todos os benefícios proporcionados pelas UHR ao sistema. Portanto, quando o investimento é recuperado nesse ambiente, o projeto e a construção das UHR tendem a ser orientados para maximizar apenas os atributos que são financeiramente valorados.

Estratégias

Uma alternativa para incorporar as UHR, seria implementar modelos de livre acesso, de maneira semelhante ao realizado nos Estados Unidos pela FERC (Federal Energy Regulatory Commission) para o setor de gás natural. Segundo esse modelo, a UHR ou o sistema de armazenamento de energia poderia disponibilizar sua capacidade para terceiros por meio de leilões coordenados pelo operador do sistema. Dessa maneira, a UHR teria seu investimento recuperado por meio de receitas geradas tanto no ambiente competitivo quanto no ambiente regulado, dependendo da estratégia de cada agente.

Ainda com relação as questões regulatórias e de viabilidade de projetos de UHR, ressalta-se que apesar das UHR representarem uma solução promissora para a expansão contínua do SIN, esses projetos são inviáveis no Brasil, uma vez que o país ainda carece de regras regulatórias que incentivem esse tipo de investimento e uma valoração adequada de todos os serviços que uma UHR pode fornecer. Alternativas viáveis para concretizar projetos de UHR seriam a criação de um mercado de capacidade e contratos de longo prazo. Entre essas opções, acordos por meio de contratos de longo prazo se destacam como a alternativa mais econômica para os consumidores, visto que permitem a expansão a um custo mínimo.

Caso a integração de UHRs ao SIN seja uma vontade no futuro, algumas alterações com relação a regulamentação vigente precisariam ser adotadas, como a possível implementação de tarifas específicas para a UHR, a integração das UHRs no Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) e a associação das UHR e com fontes renováveis em uma configuração de usina híbrida.